quinta-feira, 28 de abril de 2011

A primeira semente regada com sangue cristão

A primeira semente regada com sangue cristão

Os diáconos trouxeram dinamismo juvenil à Igreja primitiva. Estevão se destacou entre eles. Era uma alma de fogo; transbordava audácia. Foi este jovem o primeiro a adentrar à galeria dos que deram a vida por Jesus Cristo. Foi um herói que o cristianismo primitivo criou, e que atentando ele para um galardão maior, provou seu amor a Cristo sacrificando suas própria vida. Talvez Estevão fosse alexandrino¹ de origem, era conhecedor das filosofias gregas tanto quanto era das tradições hebraicas.

Falava com ousadia, que segundo o conceito original da palavra grega é a capacidade de falar sem nenhuma dificuldade. Mas, tratava-se de uma virtude oriunda da presença do Espírito de Cristo dentro e sobre ele. Expôs verdades tão desconfortantes que o levaram preso perante os juízes. Juízes que se aproveitavam da ausência de Pilatos, que tinha ido à Roma explicar-se à Calígula por alguns desconfortos na pequena província romana. 

Mas, diante dos seus algozes, Estevão demonstrava altruísmo não se preocupando em salvar sua própria cabeça. A prioridade máxima não era salvar-se do perigo iminente, mas a de ecoar sua fé tão alto que até aqueles ensurdedecidos pela insensibilidade humana a pudessem ouvir tinir nos seus corações. Esta seria a atitude dos mártires: gritar a sua fé!

Sua pregação era bíblica. Seu raciocínio surpreendente. Não economizou forças e vigor para pregar que as Escrituras se cumpriam em Jesus. Mas, quando expôs claramente a dureza dos corações dos já conturbados judeus, encerrou seu longo discurso apologético mostrando a realidade que não queriam admitir: Os judeus perseguiam e matavam seus profetas e assim também fizeram com o Justo.

Os ouvintes ragem os dentes como cãs feroses ao encontro da sua vítima. Cercado pelo ódio e descontrole, está Estevão seguro e confiante. Não se deixava contaminar pelo ódio ao seu redor. Fazia juz à palavra cristão². Diante da morte não pediu socorro nem livramento. Apenas com os olhos fitos no céu pode ver seu Senhor e Mestre, a quem imitava, assentado à direita de Deus.

Enquanto o mundo desaba o verdadeiro cristão olha para o céu. Enquanto todos lhe persegue, Estevão olha o céu aberto! E quando a morte bateu á sua porta, ele viu Jesus assentado na glória!

Todos, injustamente lhe condenavam à morte. A própria Vida se levantava do trono para dar as boas-vindas ao primeiro mártir cristão. Enquanto as pedras voavam contra ele,Estevão seguiu o exemplo de seu mestre e clamou pelo perdão dos seus executores.Com toda a certeza os mártires causavam mais impacto com suas mortes do que suas pregações.

Não podiam imaginar aqueles assassinos que trinta anos depois as profecias de Jesus Cristo se cumpririam, e seria o sangue deles que jorrariam pelas ruas de Jerusalém. Não sei se podiam imaginar que Deus cobraria pelo sangue derramado inocentemente.

Contudo, estava ali por perto, aprovando e guardando as vestes dos assassinos de Estevão, aquele que seria em breve o maior missionário e propagador daquela mensagem do Caminho da Vida. Saulo de Társis nunca imaginaria que anos depois estaria no lugar de Estevão recebendo pedradas, afrontas e sendo perseguido por amor à sua fé. Assim também deve agir o verdadeiro cristão, deixando sementes plantadas até o fim da sua vida.

N'Aquele que é a própria Vida,

Pr. Flávio Alves

¹  É o que se supõe pelo conhecimento que Estevão paraecia possuir de Fílon, que na época estavam em voga na Alexandria, e também por empregar quatro vezes a palavra "sabedoria", muito usadas no meio judaico do Egito, de onde também procede o livro apócrifo de Sabedoria.
² Palavra usada pelos de Antioquia para denominar os cristãos por que eles se pareciam com Jesus Cristo. 

terça-feira, 12 de abril de 2011

Pós-modernidade, modernidade líquida.

Pós-modernidade, modernidade líquida.

Nasci nesse tempo, nessa era chamada de pós-modernidade. Obviamente quando nascemos não temos consciência do ambiente cultural, filosófico e social no qual acabamos de pousar. Nem mesmo antes do nosso desembarque nos foi dado algum tipo de treinamento, ao menos, posso dizer que não lembramos de ter sido instruídos, embora alguns de nós (em alguns momentos) agimos como se tivéssimos sido. O que importa é que mais cedo ou mais tarde, e cada vez mais cedo, se faz necessário entender o mundo que nos rodeia, esse ambiente, essa atmosfera que para uns é objeto de respiração e para outros agente de sufocação. Mas essa necessidade se apresenta como escolha: ou buscamos entender ou ignoramos. Aos que buscam entender tenho visto se tornarem críticos, "inconfortados", inconformados, insatisfeitos. Aos que ignoram, tenho visto tomarem cada vez mais a forma do ambiente, se acomodam a ele, confortados, conformados. Numa visão geral, creio que tem sido assim em todas as épocas.

Para a compreensão da presente era, Zygmunt Bauman é um autor que me chamou a atenção. Sociólogo polonês, elaborou o conceito de modernidade líquida, o qual me parece fundamental para quem quer entender o presente. Segundo Bauman, a pós-modernidade pode ser entendida por sua liquidez. O entendimento fica mais claro quando refletimos sobre as características físicas dos líquidos:

"Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade [...] Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la." (BAUMAN, 2005a, p.8 in: CUGINI, 2008, p.161).

Paolo Cugini, doutor em filosofia, nos ajuda a estender essa concepção num artigo onde expõe as principais idéias de Bauman. Lá podemos ver que, para o sociólogo polaco, "a crise das ideologias fortes, 'pesadas', 'sólidas', típicas da modernidade produziu do ponto de vista cultural, um clima fluido, liquído, leve, caracterizado pela precariedade, incerteza, rapidez de movimento". (CUGINI, 2008, p.161). Muitos são os fenômenos que nos são apresentados a partir disso, o que Zygmunt faz muito bem, todavia para este texto reservo o espaço para um desses aspectos:

"[...]de uma sociedade que acredita na eternidade para uma que vive a infinitude. A eternidade é, sem dúvida, um conceito de cunho religioso que, do ponto de vista filosófico, pode ser colocado entre as ideologias que a modernidade assumiu e que, ao mesmo tempo, orientou a vida dos homens modernos. A infinitude é o tempo presente protelado, esticado. “O dia de hoje pode-se esticar para além de qualquer limite e acomodar tudo aquilo que um dia se almejou vivenciar apenas na plenitude do tempo.” (BAUMAN, 2005b, p.15). Não se fala mais de valores eternos, mas sim de eventos que se repetem no tempo. Também porque os valores eternos são fundamentados sobre aqueles princípios metafísicos que, na pós-modernidade, não encontram mais espaço. O infinito, que substitui o conceito de eternidade, não é de cunho metafísico, mas sim existencial. O infinito pode ser, assim, entendido como uma série contínua de tempos presentes, sem precisar hipotetizar improváveis mundos futuros, mas simplesmente aceitar o contínuo movimento do tempo. O tempo fluido pós-moderno não precisa mais de eternidade pelo simples fato que desmoronou o equipamento conceitual, ou seja, a metafísica, que amparava esta ideologia. Do outro lado, não podemos também sustentar que a idéia de tempo fluido retoma a velha concepção filosófica do mito do eterno retorno (ELIADE, 1999), ligado à natureza. Nada de filosófico ou de esotérico vive o homem pós-moderno, mas é a exploração paroxística de tudo aquilo que o evento presente pode oferecer. É a protelação destes eventos que rende o tempo infinito, sem nenhuma ligação com aquilo que o precede e também com o evento sucessivo." (CUGINI, 2008, p.161).

O repúdio a eternidade, que ainda resistia na modernidade (ao meu ver de uma forma artificial), provoca essa vida de fragmentos que vivemos hoje, onde se troca a alegria pelo prazer, o conhecimento pela informação, a peregrinação pelo turismo, o certo pelo conveniente. Essa doença tem afetado até mesmo o mundo religioso. Um tipo de "relacionamento" pragmático com Deus pode ser percebido em igrejas (ou "pseudo-igrejas"?), onde se vive a fé como uma espécie de instrumento para satisfação pessoal, que nada tem haver com a espiritualidade, que em nada visa a eternidade, mas o infinito presente do ego.

Esta fusão pela qual passou a modernidade, ao meu ver não é a primeira. Não só ela sofreu a sua crise. Portanto a modernidade já era produto de uma fusão, já era também líquida e hoje vivemos uma liquidez ainda mais intensa. O estopim disso encontramos lá trás quando o homem resolveu iniciar sua jornada em busca da independência. Primeiro rejeitaram Deus (A Rocha, O Fundamento de tudo), depois disso segue-se inssureições contra a Razão, contra a Natureza, até mesmo contra a sua própria. Afinal, o que sobrou? Cada vez mais líquida segue a existência humana no Universo. Mas não se pode ser assim para sempre, uma hora virá a ser gás e a instabilidade será insuportável.



Antônio Augusto

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A Revolução da Cruz


A REVOLUÇÃO DA CRUZ


O mundo já passou por várias revoluções ao longo da História. A grande maioria delas foi à base do sangue, das guerras e da violência. Seus líderes sempre estiveram encabeçando-as presencialmente. Se matassem o líder, talvez morresse também a revolução. Entretanto, houve uma revolução relativamente silenciosa, e que se espalhou como uma árvore expande suas raízes sobre todo o mundo então conhecido. Uma revolução sem armas, encabeçada por homens iletrados, simples pescadores da menor província da época.

Enquanto dos rochedos de Capri, o Imperador, gastando seus últimos dias na devassidão e em festas prazerosas, lançava apenas sentenças de morte. Todo o império desfrutava de equilíbrio. No mar o comércio prosperava maravilhosamente. Todas as províncias estavam sob controle, perfeitamente submissas. Era assim também na Palestina. Nada parecia ameaçar o domínio romano na menor das regiões do Império. Tudo estava aparentemente bem. Apenas os zelotes e insubmissos tiravam a paz dos romanos. O sinédrio controlava bem o povo, os fariseus os entretiam com suas centenas de regras supostamente baseadas na Torah.

Foi neste sintético contexto que uma mensagem extraordinária começava a espalhar-se por toda a Jerusalém. Os anunciadores destas boas novas não tinham nada de excepcional em si mesmos. Eram judeus dedicados como a maioria. Respeitavam os rituais e costumes da religião judaica. Guardavam o sábado, oravam nos horários estabelecidos, jejuavam até duas vezes por semana. Não faziam parte dos poderosos, pois não eram dos “príncipes dos sacerdotes” nem dos “anciãos do povo”. Na maioria, eram gente da plebe. O sotaque denunciava sua terra de origem, a desprezada Galiléia. Os líderes os olhavam com desprezo e outros com preocupação.
Os irmãos sem sangue

Quem eram eles? O que exatamente anunciavam? Que mensagem era essa, capaz de reunir pessoas do Ponto, do Egito, da Líbia e da Capadócia numa só fé? Inicialmente, haviam-se denominados discípulos, porque tinham um Mestre, um fundador. Mas, o amor que neles se observava os levou a chamar um ao outro de irmãos. Sim, irmãos. A comunhão, a partilha de bens, o cuidado e unidade entre eles foram mais bem denominados como uma relação de irmãos.

Não formavam uma seita, como os fariseus que ostentavam sua religiosidade nos grandes filactérios que usavam, ou pelos rituais e regras que regiam suas vidas. Os adeptos dessa fé não se preocupavam em aparentar sua santidade como forma de separação social. Nem tampouco se isolavam do mundo, como os essênios, que viviam abnegadamente em monastérios no Mar Morto. Estes irmãos não fundaram uma sinagoga independente, ou keneseth, como a Lei autorizava. Mas, eles estavam entre todos, acessíveis a todos.

O que então eles pregavam? O desejo de liberdade no interior dos judeus era comum. Ninguém, exceto aqueles que lucravam, gostava do domínio romano sob Israel. A ânsia pela independência era mútua. Os profetas de outrora haviam predito a respeito daquele que seria um líder maior que Moisés. Mas, que faria um papel semelhante ao dele na libertação nacional no Egito. Os zelotes almejavam por um líder guerreiro que esmagaria a força opressora dos romanos. Os fariseus esperavam aquele que cumpriria cabalmente e perfeitamente toda a Lei. Os saduceus esperavam uma espécie de Rei-sacerdote que restituísse o Reino de Israel aos padrões dos tempos de Salomão, e que também consolidasse e legitimasse o poder dos sacerdotes.

Foi diante desta expectativa que surgiram vários messias. Todos eles, porém dissiparam-se como fumaça no céu. Mas, estes irmãos pregavam no Pórtico de Salomão, no Templo, nas sinagogas ou onde quer que houvesse oportunidade de dizer que o Messias já tinha vindo. A mensagem era simples, Jesus de Nazaré, é o Messias de Israel. Nós não podemos imaginar atualmente a real intensidade e mistura do impacto de alegria e espanto que esta mensagem provocou no íntimo dos judeus. Esta era a resposta para a oração deles. A resposta divina para suas ânsias e desesperos. Deus enviou o Messias!

Um deles, chamado Pedro, que já se comportava como chefe, pronunciou o primeiro sermão registrado dessa nova fé. Diante uma grande multidão atônita diante da cena fora do comum na descida do Espírito Santo, se põe de pé afirma: “Varões israelitas, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré... Este Jesus, Deus o ressuscitou, e disso nós somos testemunhas... Tenha, pois, por certo a casa de Israel que Deus fez Senhor e Cristo a Jesus, que vós crucificastes” (At 2.22,23,32,36).

Em que esta nova fé baseava-se ?

Essa nova fé repousava sobre a ressurreição de Jesus. Pedro havia negado Jesus três vezes antes que o galo cantasse. Os demais fugiram com medo de cair no mesmo fim que seu Mestre. Apenas algumas mulheres e o jovem João ficara aos pés da cruz para assistir a crucificação. O que aconteceu para mudar tão radicalmente estes iletrados covardes e incrédulos em os primeiros mártires do Cristianismo? Até mesmo Tomé afirmava que só creria se primeiro tocasse nas perfurações no corpo do Jesus.

Eles tinham certeza que Jesus estava morto. Eles viram de longe e outros de perto o corpo do pregador da Galiléia sendo retirado e sepultado. Agora estavam escondidos das autoridades, sem compreender o sacrifício de Jesus, estavam como os discípulos no caminho de Emaús. Estes discípulos interrogavam-se entre si, sem compreender a morte de Jesus. Nenhum deles acreditava no maior de todos os milagres: a Ressurreição de Cristo.

Porque não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido. Atos 4:20

Se Cristo não tivesse de fato, ressuscitado, nenhum destes homens daria a sua vida para testemunhar de uma mentira. “E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé.” I Co 15.14 “Mas, confirmada por numerosas testemunhas, a Ressurreição passou a ocupar um lugar central na nova fé; tornou-se o fecho da abóboda do edifício doutrinal.” A revolução Cristã se iniciou! Uma revolução sem armas. As armas eram invisíveis.

Nietzshe afirmou que o cristianismo é uma religião de escravos. É a forma dos judeus se vingarem dos seus líderes. Pois, transforma a força em fraqueza, e a riqueza em pobreza. Se esquece portanto, que desde os dias de vida do próprio Jesus Cristo, alguns ilustres se converteram e creram em suas palavras. Se o cristianismo é uma religião de escravos, porque Nicodemos, Jairo e outros príncipes judeus o seguiram? Porque Barnabé, homem de posses que sustentou vários apóstolos se converteria? Por que Sérgio Paulo, procônsul de Roma creu maravilhosamente? É uma tremenda falta de conhecimento bíblico afirmar que o Cristianismo é uma religião de escravos.

É óbvio que para um escravo, o Cristianismo seria uma forma de libertação. Mas, não de vingança. Isso é ignorar o fato que levou os de Antioquia intitular, pela primeira vez, os irmãos de “cristãos”. O amor que Jesus Cristo demonstrava pelos seus discípulos os cristãos primitivos também demonstravam uns pelos outros. Isso quebrava as barreiras sociais, de classes econômicas, culturais, raciais ou de nacionalidades. O Cristianismo primitivo não enxergava barreiras. Estas boas novas eram pregadas “sem impedimento algum”. Era uma revolução silenciosa que tomava conta de pessoas, famílias, bairros, cidades, províncias... O grão de mostarda cresceu ao lado da grande árvore do judaísmo, mas logo tornar-se-ia tão grande, que o judaísmo pareceria uma plantinha ao lado dela. A cruz era a bandeira, a ressurreição o baluarte, os discípulos os embaixadores de um Reino que até então, não era deste mundo.

Continua...

Pastor Flávio Alves

ROPS, Daniel. Academia Francesa. A igreja dos Apóstolos e dos Mártires. Editora Quadrante, São Paulo. 1988.